- Será que o parto será feito hoje
mesmo? Ou será que o médico vai mandá-la voltar para casa? – pensava sozinho,
zumbizando pelos corredores.
Se ter filhos significava não dormir,
então já havia passado no primeiro teste, pois se o médico confirmasse o parto,
aí mesmo é que não iria dormir tão cedo. Mas nada disso importava, eu mesmo não
me importava mais comigo mesmo e só me preocupava se a minha esposa e a minha
filha estavam bem. Então caminhei em direção à sala onde elas estavam e, como
não havia nenhuma enfermeira ali perto, entrei e lá estava ela também acordada,
aguardando pacientemente o soro que escorria numa lentidão assustadora.
- E a dor? – perguntei.
- Passou, mas ainda sinto as
contrações – respondeu ela.
- Mas se tiver que ser hoje, está
preparada?
- Sim! – disse prontamente com o
rosto iluminado e com um sorriso que tive dúvidas se era mais lindo nos lábios
ou nos olhos.
Segurei sua mão, dei-lhe um beijo e
saí da sala. Olhei em volta no saguão e as raras testemunhas presentes tiravam
um cochilo nas poltronas. Lembrei-me de verificar se a máquina fotográfica e o
celular estavam carregados, então fui até onde estava minha sogra, abri a
bolsa, peguei os carregadores e tratei de arranjar uma tomada para dar a última
carregada. Imagina se o parto fosse realmente hoje e elas estivessem
descarregadas? Que pai desnaturado seria esse que já começaria com o pé
esquerdo? Não, definitivamente comigo não. As fotos poderiam sair até tremidas,
mas haveria fotos!
Já passava das 4:00h quando deu
entrada no salão uma futura mamãe se contorcendo com tantas dores que quase não
conseguia falar, apenas gemia – e gemia tanto que eu já estava vendo a hora
dela deitar-se no chão para começar a dar a luz. Enquanto isso, o tenso e futuro
papai dizia para a recepcionista que o parto estava marcado para a manhã
daquele domingo, mas o bebê parecia não querer esperar mais e iria nascer a
qualquer momento.
- Sorte a da minha esposa que a nossa
filha, apesar dessa pressão toda, não estar assim tão acelerada a ponto dela
não conseguir falar de tanta dor – pensei, contemplando a cena, já nem me
importando mais com a derrota iminente no xadrez que jogava contra o computador
no smartfone.
Levantei e fui ver se minha esposa
continuava bem, e felizmente ela estava. O soro já havia acabado, mas nenhuma
enfermeira havia aparecido ainda para liberá-la para o próximo exame. Saí
imediatamente e, tão logo o outro futuro e tenso papai finalizava a entrada para
que o parto da esposa dele fosse realizado imediatamente, comentei com a
recepcionista que alguém precisava dar prosseguimento com os exames da minha
esposa. A atendente, bastante solícita, então chamou a enfermeira e em mais
alguns minutos uma delas foi buscá-la e levou-a para a outra sala. Fui junto.
A enfermeira colocou mais alguns fios
na barriga dela, ligou a maquininha para iniciar outra cardiotocografia e cerca
de meia-hora mais tarde o panorama não havia se modificado – o ritmo das contrações
mantinha-se acelerado. Ela, então, sorriu para mim dizendo “é hoje, hein,
papai?”, enquanto pegava o telefone do médico para falar sobre os resultados finais
após as recomendações que ele havia passado.
Olhei para o relógio e era quase
5:00h. Olhei para a minha esposa e ela sorria ainda deitada na maca. Olhei para
a enfermeira e ela ainda falava com o médico ao médico ao telefone enquanto
digitava algumas coisas no computador. As duas me olhavam e, apesar de tentar
demonstrar alguma tranquilidade por fora, por dentro era puro nervosismo.
Tentava repassar mentalmente tudo o que deveria fazer quando a enfermeira
desligasse o telefone e confirmasse o parto iminente, mas na minha cabeça deu um
branco de proporções monumentais que não consegui mais pensar em nada, a não
ser num pergunta que ficou um bom tempo vagando sem resposta: e agora?
Percebi que a enfermeira desligou o
telefone sorrindo e começou a falar um monte de coisas que eu, devido ao alto
grau do meu nervosismo, não consegui entender patavinas até que tudo fez
sentido quando ela falou:
- Papai, o médico já está vindo e o
parto será às 6:30h, ok?
Subitamente, tudo voltou a fazer
sentido. Sorri, olhei para minha esposa, e perguntei de volta para a
enfermeira:
- E agora?
(continua)
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