domingo, 8 de setembro de 2013

O início, o fim e o meio – Parte III

Às 3:00h, as câmeras da Pro Matre já identificavam um zumbi flanando aleatoriamente pelos corredores sem nenhum destino aparente. Era eu. Arrastando pesadamente o esqueleto e praticamente dormindo em pé, lá ia e voltava brigando contra o sono, que estava pesadíssimo. Após uma semana intensa de trabalho, no sábado o ritmo não havia diminuído – muito pelo contrário! De pé desde às 8:00h para cima e para baixo, já tinha a mente e o corpo preparados psicologicamente para o que seria o meu “último domingo de sono profundo”, que era como os amigos que já tiveram filhos definiam a véspera deste importante evento. Nada disso. Em mais algumas horas iria completar 24 horas acordado e essa expectativa e indefinição estavam me matando lentamente.

- Será que o parto será feito hoje mesmo? Ou será que o médico vai mandá-la voltar para casa? – pensava sozinho, zumbizando pelos corredores.

Se ter filhos significava não dormir, então já havia passado no primeiro teste, pois se o médico confirmasse o parto, aí mesmo é que não iria dormir tão cedo. Mas nada disso importava, eu mesmo não me importava mais comigo mesmo e só me preocupava se a minha esposa e a minha filha estavam bem. Então caminhei em direção à sala onde elas estavam e, como não havia nenhuma enfermeira ali perto, entrei e lá estava ela também acordada, aguardando pacientemente o soro que escorria numa lentidão assustadora.

- E a dor? – perguntei.
- Passou, mas ainda sinto as contrações – respondeu ela.
- Mas se tiver que ser hoje, está preparada?
- Sim! – disse prontamente com o rosto iluminado e com um sorriso que tive dúvidas se era mais lindo nos lábios ou nos olhos.

Segurei sua mão, dei-lhe um beijo e saí da sala. Olhei em volta no saguão e as raras testemunhas presentes tiravam um cochilo nas poltronas. Lembrei-me de verificar se a máquina fotográfica e o celular estavam carregados, então fui até onde estava minha sogra, abri a bolsa, peguei os carregadores e tratei de arranjar uma tomada para dar a última carregada. Imagina se o parto fosse realmente hoje e elas estivessem descarregadas? Que pai desnaturado seria esse que já começaria com o pé esquerdo? Não, definitivamente comigo não. As fotos poderiam sair até tremidas, mas haveria fotos!

Já passava das 4:00h quando deu entrada no salão uma futura mamãe se contorcendo com tantas dores que quase não conseguia falar, apenas gemia – e gemia tanto que eu já estava vendo a hora dela deitar-se no chão para começar a dar a luz. Enquanto isso, o tenso e futuro papai dizia para a recepcionista que o parto estava marcado para a manhã daquele domingo, mas o bebê parecia não querer esperar mais e iria nascer a qualquer momento.

- Sorte a da minha esposa que a nossa filha, apesar dessa pressão toda, não estar assim tão acelerada a ponto dela não conseguir falar de tanta dor – pensei, contemplando a cena, já nem me importando mais com a derrota iminente no xadrez que jogava contra o computador no smartfone.

Levantei e fui ver se minha esposa continuava bem, e felizmente ela estava. O soro já havia acabado, mas nenhuma enfermeira havia aparecido ainda para liberá-la para o próximo exame. Saí imediatamente e, tão logo o outro futuro e tenso papai finalizava a entrada para que o parto da esposa dele fosse realizado imediatamente, comentei com a recepcionista que alguém precisava dar prosseguimento com os exames da minha esposa. A atendente, bastante solícita, então chamou a enfermeira e em mais alguns minutos uma delas foi buscá-la e levou-a para a outra sala. Fui junto.

A enfermeira colocou mais alguns fios na barriga dela, ligou a maquininha para iniciar outra cardiotocografia e cerca de meia-hora mais tarde o panorama não havia se modificado – o ritmo das contrações mantinha-se acelerado. Ela, então, sorriu para mim dizendo “é hoje, hein, papai?”, enquanto pegava o telefone do médico para falar sobre os resultados finais após as recomendações que ele havia passado.

Olhei para o relógio e era quase 5:00h. Olhei para a minha esposa e ela sorria ainda deitada na maca. Olhei para a enfermeira e ela ainda falava com o médico ao médico ao telefone enquanto digitava algumas coisas no computador. As duas me olhavam e, apesar de tentar demonstrar alguma tranquilidade por fora, por dentro era puro nervosismo. Tentava repassar mentalmente tudo o que deveria fazer quando a enfermeira desligasse o telefone e confirmasse o parto iminente, mas na minha cabeça deu um branco de proporções monumentais que não consegui mais pensar em nada, a não ser num pergunta que ficou um bom tempo vagando sem resposta: e agora?

Percebi que a enfermeira desligou o telefone sorrindo e começou a falar um monte de coisas que eu, devido ao alto grau do meu nervosismo, não consegui entender patavinas até que tudo fez sentido quando ela falou:

- Papai, o médico já está vindo e o parto será às 6:30h, ok?

Subitamente, tudo voltou a fazer sentido. Sorri, olhei para minha esposa, e perguntei de volta para a enfermeira:


- E agora?

(continua)

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